22 Abr Vida Económica – Serviços de Finanças enfrentam défice de recursos humanos
Serviços de Finanças enfrentam défice de recursos humanos
No final do ano passado a AT registava 10 700 funcionários, ou seja, metade das reais necessidades dos Serviços de Finanças, e mais três mil estão prestes a sair por motivo de aposentação.
Há funcionários da área da inspeção tributária que estão a apoiar no atendimento telefónico e na justiça tributária, colocando em risco a eficácia da máquina fiscal.
“É urgente tomar medidas para travar o colapso iminente dos serviços por falta de recursos humanos e materiais”, afirma Ana Gamboa. “Se formos obrigados a isso, estamos preparados para paralisar os serviços”, conclui
VE – Quantos foram os funcionários que deixaram nos últimos anos a AT e quais foram as razões da saída?
AG – Todos os anos saem centenas de trabalhadores para a aposentação, este é o principal motivo de saída. De acordo com os dados transmitidos pela própria diretora-geral, no final do ano passado a AT registava 10 700 funcionários, o número mais baixo desde a fusão, e espera-se que nos próximos três anos saiam perto de mil que estão já próximos da idade da reforma. Temos também vários casos de trabalhadores que estão a pedir a reforma antecipada porque não aguentam mais a pressão. Há ainda os que se ausentam por motivos de doença, maioritariamente por períodos prolongados. Esta é também uma tendência crescente, dada a elevada média de idades.
VE – Os funcionários recrutados pelo MF foram suficientes para compensar essa perda? Quais as áreas com mais carência de funcionários?
AG – Não. Não só o número é insuficiente como o facto de este recrutamento ser feito apenas para os serviços centrais de Lisboa é um péssimo sinal, que revela um desinvestimento nos serviços locais e regionais, eventualmente uma intenção de acabar com estes serviços de proximidade aos cidadãos.
As carências de funcionários sentem-se em todos os serviços da AT e têm um impacto negativo na inspeção tributária e aduaneira, mas são mais evidentes nos serviços de controlo da fronteira externa e nos serviços locais com atendimento ao público.
Por exemplo, nos aeroportos, onde o número de funcionários tem vindo a ficar reduzido, o controlo da fronteira externa não tem tido a atenção devida e necessária, porque os poucos funcionários existentes precisam de ser canalizados para funções de atendimento, como por exemplo o “Tax-free” ou para algumas funções administrativas, com os impactos negativos que isso traz para a segurança do país.
No caso dos serviços locais de finanças, a falta de funcionários leva a que seja cada vez mais difícil prestar um atendimento de qualidade e quando se prioriza o atendimento, atrasa-se o expediente, o que leva a que muitos processos de reclamação graciosa, por exemplo, demorem mais tempo a tramitar. Por outro lado, para tentar colmatar estas falhas, estão a ser afetos funcionários da área da inspeção tributária, que deviam estar a fiscalizar e a combater a fraude e a evasão, e estão a apoiar no atendimento telefónico e na justiça tributária.
Neste momento, muitos trabalhadores qualificados para apoiar os cidadãos em questões fiscais complexas, para tramitar processos de justiça fiscal e para fiscalizar e investigar a fraude e a evasão fiscal e aduaneira estão a ser afetos a áreas como a triagem de atendimentos, atribuição de NIF a cidadãos estrangeiros, emissão de documentos de cobrança de IUC, agendamento telefónico de atendimentos por marcação, etc. Isto, na nossa perspetiva, põe em risco a eficácia da máquina fiscal.
VE – Quando fala no encerramento de “estruturas de proximidade”, quer dizer concretamente o quê? Quais são as consequências desta realidade?
AG – Quero dizer o encerramento de serviços locais de finanças, com a consequência para os cidadãos de deixarem de ter um serviço de apoio com a qualidade que merecem e já tiveram no passado recente. Este problema já se sente e vai afetar precisamente as áreas mais remotas do país. Ao contrário do que alguns afirmam, nestes serviços o desgaste no atendimento é elevado, pois é nestes locais que se verifica uma maior iliteracia informática e fiscal. Isto significa que os cidadãos que mais precisam de apoio para cumprir as suas obrigações fiscais serão os primeiros a ficar impedidos de ter este apoio. Provavelmente, terão que pagar a alguém para os ajudar a cumprir obrigações que dantes eram apoiadas por funcionários das finanças, de forma gratuita.
Temos serviços no interior do país e também nas ilhas que têm quadros de pessoal que deviam ter cinco a dez funcionários e neste momento estão a trabalhar com dois ou três que já estão perto de se reformarem. Alguns destes trabalhadores não tiveram até ao momento qualquer contacto por parte da Direção-Geral no sentido de lhe transmitir que o serviço ficará assegurado. Isto na cobrança é já evidente, há serviços em que a secção de cobrança encerra algumas vezes por semana, porque o mesmo funcionário desloca-se a vários serviços rotativamente. Vão sendo tomadas medidas pontuais para tapar estes buracos, mas não há um plano global, conhecido dos trabalhadores, e isto não é solução para uma organização como a Autoridade Tributária e Aduaneira, é a demonstração de más políticas de gestão que se querem ver alteradas.
“É urgente reorganizar a AT”
VE – Considera que a dificuldade de diálogo entre a AT e o utente tende a aumentar? No limite, que situação poderá atingir?
AG – A AT tem criados vários canais de atendimento alternativos, tem sido feito um investimento a esse nível. O Centro de Atendimento Telefónico (CAT), o E-Balcão, o próprio Atendimento Presencial por Marcação são canais que visam facilitar o diálogo entre a AT e o utente. Sabemos que estão a ser feitos projetos piloto para desenvolver o atendimento virtual. Tudo isto pode ser positivo. O que se passa é que, para reforçar estes canais, está-se a deixar de conseguir dar respostas a todas as outras áreas. É o problema de a manta ser curta! E é por isso que falamos que é urgente reorganizar a AT.
A pandemia trouxe a oportunidade de se tirar partido de meios como o Atendimento Presencial por Marcação, que o Governo acabou por inverter quando decretou a retoma do atendimento espontâneo. É obvio que para certas questões o atendimento presencial pode ser mais eficaz, mas para que este atendimento possa ser de qualidade são precisas pessoas em número suficiente. Não havendo, o pré-agendamento é essencial, para que o atendimento seja atribuído ao funcionário correto e o funcionário possa preparar o atendimento devidamente e gerir melhor todo o restante trabalho de “backoffice”. Os utentes têm que, perceber que se querem um atendimento de qualidade devem agendar com antecedência e cabe à AT e ao próprio Governo comunicarem esta mensagem aos cidadãos, incentivando a alteração de hábitos no recurso aos serviços.
VE – Esta falta de diálogo é suscetível de aumentar a conflitualidade e os processos litigiosos entre a AT e o utente?
AG – Desde a retoma do atendimento espontâneo, e com cada vez menos funcionários nos serviços, os tempos de espera aumentam, o serviço é prestado sob pressão e a conflitualidade tende a aumentar. É preciso inverter isto.
VE – De que forma a Direção-Geral tem respondido às vossas solicitações? Também aqui se está a cavar um fosso de diálogo?
AG – Esperamos que tal nunca venha a acontecer. O diálogo entre a Direção-Geral e o sindicato parece-nos fundamental para o melhor funcionamento da organização. Temos reunido, apresentado as nossas preocupações e também propostas concretas, contributos por parte de quem conhece a realidade dos serviços. Do lado de lá, até ao momento, não fecharam as portas a ouvir-nos. O que se passa é que as respostas tardam em aparecer, os processos são demasiado lentos e não nos é mostrado um plano consistente para reorganizar a AT, atribui-se a responsabilidade ao Governo e andamos neste “jogo do empurra” há mais de dois anos.
Da nossa parte estaremos sempre disponíveis para dialogar e colaborar. Os trabalhadores querem fazer parte da mudança e cooperar com ela. Numa política de gestão inteligente sabe-se que estimular o envolvimento e participação dos trabalhadores é parte do sucesso nos processos de mudança. Mas em algumas matérias, sobretudo as relacionadas com as carreiras, infelizmente somos obrigados a recorrer à via judicial, porque a interpretação da legislação laboral feita pela nossa Direção de Serviços de Recursos Humanos é, em regra, feita desfavoravelmente aos trabalhadores. É preciso um comprometimento sério com a resolução dos problemas e passar à ação. Percebemos que, quando há vontade política, as soluções aparecem e aplicam-se.
“É urgente travar o colapso iminente”
VE – Quais as medidas a tomar que considera mais urgentes, no sentido de fortalecer os Serviços da AT?
AG – É urgente tomar medidas para travar o colapso iminente dos serviços por falta de recursos humanos e materiais.
A falta de recursos humanos só tem duas soluções: ou o reforço efetivo de trabalhadores em todo o país, ou uma reorganização da AT, que recorra ao Atendimento Presencial por Marcação, ao trabalho remoto e outras medidas que permitam a otimização da gestão das tarefas e dos recursos existentes, libertando os trabalhadores das carreiras especiais para desempenharem apenas as tarefas de maior complexidade.
Nem uma nem outra solução até ao momento foram usadas, o que nos leva a crer que, a menos que exista algum plano que desconhecemos, o colapso dos serviços é iminente.
Além dos recursos humanos, é também fundamental investir em recursos materiais e equipamentos de trabalho. O parque informático da AT está obsoleto, algumas máquinas já foram descontinuadas e isto impede ou dificulta a sua manutenção e as próprias aplicações informáticas funcionam de forma muito lenta, atrasando o expediente. Esta situação agravou-se recentemente com a necessidade de adaptar as aplicações informáticas às novas regras introduzidas pela Lei 7/2021, sobretudo as relacionadas com a inspeção e justiça tributária. Também aqui urge investir e tomar medidas.
“Recrutamento pode atingir três anos até ser concluído”
VE – Em que ponto está o recrutamento de novos inspetores tributários?
AG – Todos os processos de recrutamento para a AT têm sido muito demorados. Tanto quanto sabemos, ainda não está agendada a prova de ingresso. Mas até estar concluído o recrutamento e os novos trabalhadores estarem aptos para trabalhar podemos ter de aguardar cerca de três anos, esta tem sido a duração média dos processos de recrutamento na AT. É por isso que recrutar um número tão reduzido de trabalhadores para Lisboa não se revela uma medida eficaz para travar o colapso dos serviços. Quanto estes 200 trabalhadores estiverem aptos, já saíram mais mil e os serviços estarão num estado ainda pior. A menos que se façam recrutamentos anualmente durante alguns anos, este recrutamento isolado não vai resolver quase nada.
VE – Que avaliação faz das medidas adotadas no período da pandemia Covid-19? Estão a servir para melhorar a eficácia dos Serviços?
AG – Como já referi, algumas das medidas adotadas no período da pandemia, caso se mantivessem, podiam ajudar a melhorar a eficácia dos Serviços. Refiro-me ao reforço dos canais de atendimento alternativos (CAT, E-balcão), ao Atendimento por Marcação, ao trabalho remoto e à desmaterialização dos processos de trabalho. Mas a tendência que notamos até ao momento é de um gradual retomar do “antigo normal” e isto não nos parece positivo, já que se devia aproveitar a embalagem para implementar aquilo que funcionou e melhorar o que precisa ser melhorado, sem voltar atrás.
VE – Com o novo Governo de António Costa a situação poderá melhorar ou será mais do mesmo?
AG – É um mau sinal para o país se este Governo não decidir investir na melhoria do funcionamento da Autoridade Tributária e Aduaneira. Sendo um governo com maioria absoluta, tem, à partida, mais condições para implementar as medidas e reformas necessárias.
Por outro lado, o Governo anterior falhou no que toca aos compromissos que assumiu com os trabalhadores da AT, em matéria de carreiras. Tem agora uma oportunidade para mudar isso.
VE – Caso a atual situação se mantenha inalterada ou piore, equacionam avançar com novas paralisações?
AG – No XV Congresso do STI, que aconteceu antes da Páscoa, resultou uma atitude de tolerância zero para com a Direção-geral e o novo Governo. Se formos obrigados a isso, estamos preparados para paralisar os serviços e temos também preparadas várias ações judiciais e de condenação contra os responsáveis pela Direção-geral e a tutela, pelo atraso na aplicação na Lei.