Opinião – Um olhar aduaneiro sobre o BREXIT

O COMÉRCIO INTERNACIONAL
Desde os primórdios da história da humanidade que, sem dúvida alguma, o comércio foi algo que sempre teve enorme importância, sendo indiscutível que a continuará a ter no futuro.

E se comércio se poderá definir como “a atividade desenvolvida quando 2 pessoas (entidades) concordam transferir a propriedade de um bem (serviço) em contrapartida de algo”, já a definição de comércio internacional nos remete para essa “troca de bens e serviços através de fronteiras internacionais de países ou territórios”.

Fator de prosperidade e bem-estar, a questão é que, por norma, o fluxo internacional de mercadorias é objeto de tributação (supra)estadual, mormente na sua importação. Assim, “formalidades” e “tributação” distintas e acrescidas, serão dois dos aspetos primordiais a ter em linha de conta no processo de internacionalização de uma qualquer empresa.

A INTEGRAÇÃO ECONÓMICA
A globalização vivida pelos mercados gerou um grande incremento do comércio internacional e das relações económicas internacionais. Objetivando minimizar os impactos negativos à sua liberalização, uma pluralidade de países encetou, sobretudo após a 2.ª grande guerra mundial, uma série de processos de integração económica, sobretudo de matriz regional.
Relacionando graus (formas) de integração económica entre países (ou grupo de países) com os ditos aspetos relevantes no comércio internacional de mercadorias (formalidades e tributação), distinguem-se, grosso modo e cumulativamente, três estágios iniciais, a saber:
1) Zona de Comércio Livre – exigência de formalidades aduaneiras (por exemplo, declarações aduaneiras de exportação e de importação); redução, parcial ou total (depende do acordo e das mercadorias em questão), das taxas normais de direitos aduaneiros, porém, apenas para as mercadorias originárias das partes contratantes.
2) União Aduaneira – subsiste a exigência de formalidades aduaneiras; isenção da aplicação de direitos aduaneiros sobre todas as mercadorias, independentemente da sua origem, isto é, da sua nacionalidade económica. Implica uma pauta aduaneira comum.
3) Mercado Comum – ausência de quaisquer formalidades aduaneiras e de quaisquer direitos aduaneiros (ou encargos de efeito equivalente) sobre as mercadorias transacionadas entre as partes.
Assim, o êxito de uma empresa que opere no mercado internacional de compra e venda de mercadorias passará por saber gerir eficaz e eficientemente, não só as variáveis associadas a fatores tão diversos como, por exemplo, a negociação, a logística, o marketing, os instrumentos financeiros, as línguas, mas, também, as associadas à fiscalidade internacional e, em especial, às alfândegas.

O COMÉRCIO INTERNACIONAL DE PORTUGAL
No que à tipologia do nosso comércio internacional respeita, observa-se a necessidade de termos sempre presente a distinção essencial entre comércio intracomunitário e comércio extracomunitário. Neste último particular, assumem especial importância as suas regras próprias, como sejam regimes aduaneiros, classificação pautal, origem das mercadorias, valor aduaneiro, entre tantas outras especificidades.
Acresce que cerca de um terço das nossas operações de comércio internacional (entradas e saídas de mercadorias do nosso território) são já extracomunitárias! E o Reino Unido, 5.ª maior economia a nível mundial, é só o nosso 4.º maior cliente da venda de bens ao exterior e o nosso 6.º maior mercado externo de compra de bens. (Fonte: INE, 2019).

O BREXIT E O ACORDO DE COMÉRCIO LIVRE (ACL) UE/UK
A saída do Reino Unido da União Europeia (logo, da sua união aduaneira e mercado comum), traduziu-se em profundas alterações no modo e na qualidade como passaram a ser efetuadas as transações comercias de mercadorias entre os dois blocos.
Assim, não obstante a celebração in extremis de um ACL entre as partes (tendo-se criado, desta forma, uma zona de comércio livre), “formalidades aduaneiras” e “direitos aduaneiros” são dois dos muitos conceitos que (re)entraram no nosso dicionário comercial com o Reino Unido, daqui se excluindo a Irlanda do Norte que, fruto do mediático “Protocolo das Irlandas”, se mantém no mercado comum da União Europeia.
Conhecer as regras sobre as quais assenta o sistema do comércio de mercadorias entre Portugal (União Europeia) e o Reino Unido e, utilizando-as adequadamente, otimizar modelos de negócio, tornou-se, para as empresas portuguesas envolvidas, num dos principais fatores críticos de sucesso a ter em conta! O “custo da ignorância” será, neste particular, tão determinante quanto poderá ditar o próprio sucesso ou insucesso de todo um projeto empresarial…

O PAPEL DAS ALFÂNDEGAS PORTUGUESAS
Nesta (des)conformidade, emerge a necessidade de um olhar mais atento e proactivo, seja por parte das empresas portuguesas que efetuam comércio de mercadorias com a Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e País de Gales), seja por parte dos órgãos do governo português e da sua administração, mormente por parte das Alfândegas portuguesas.
As Alfândegas são o organismo de qualquer país deste nosso planeta a quem se encontra acometida a responsabilidade direta do controlo das entradas e saídas de mercadorias de um qualquer território aduaneiro, quer no seu aspeto fiscal (função recaudatória de impostos), quer no seu, não menos importante, aspeto extrafiscal (função de proteção de toda a cadeia logística, de lés-a-lés, como, por exemplo, o combate à contrafação e à pirataria, ao trafico ilícito de estupefacientes, a proteção da fauna e da flora, dos bens culturais ou, até, a exigência da observância da conformidade com as normas técnicas e comerciais em uso interno).
A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) é a autoridade aduaneira em Portugal. Importará, pois, que esta se constitua como um inegável parceiro das empresas portuguesas, exercendo a sua função de controlo, é certo, mas, também, na disseminação e facilitação do acesso ao conhecimento especializado, rigoroso e atualizado, das questões comerciais internacionais e, de sobremaneira, as respeitantes ao nosso comércio com o Reino Unido.
Identificada que está a questão…

SÍLVIO PINTO VARANDAS
Sócio nº 15884
Aduaneiro e docente do ensino superior.