15 Mar Dinheiro Vivo – Quem paga as crises são (só) os que já pagam!
Anunciam-se autovouchers e concebem-se medidas para mitigar os inevitáveis aumentos da energia e do combustível face às circunstâncias internacionais. Mas em nenhum momento se faz o necessário: deixar de castigar ainda mais os que já pagam e frontalmente combater a evasão e a fraude fiscal, para poder aumentar, efetivamente, a receita fiscal, diminuindo o esforço daqueles que cumprem. O que implicaria dotar a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) de mais e melhores meios. Isso nunca se fez e continua a não se fazer.
Em momentos de crise, como foi a Pandemia e agora a Guerra na Ucrânia, conta-se, naturalmente, com o Estado para apoiar os cidadãos e as empresas mais impactados. É bom que se perceba que não existem vacinas grátis, nem apoios a cidadãos e empresas que caiam do céu, são os nossos impostos que pagam estes benefícios e apoios. E é nestes momentos que melhor se devia perceber a importância da função tributária do Estado, exercida pela AT.
Para que o país consiga apoiar quem precisa não basta contar com a receita dos impostos de quem já cumpre e paga. A economia paralela, isto é, os que não pagam qualquer imposto e cuja dimensão varia conforme a fonte consultada, “rouba” receitas fiscais essenciais ao nosso país. Cito o exemplo da Tax Justice Network, um grupo que reúne investigadores e ativistas para maior transparência e justiça fiscal, que num relatório publicado em novembro de 2021, atribuiu a Portugal um custo com a evasão fiscal de mil milhões de dólares (perto de 890 milhões de euros), 0,5% do PIB. Os mil milhões repartem-se, segundo o estudo, em 471,9 milhões de dólares por via de abusos atribuídos a empresas e 534,4 milhões com a riqueza que está em offshores. Dinheiro que daria para vacinar a população portuguesa contra a Covid-19 mais de cinco vezes. Já dados da Comissão Europeia referem que em 2019 Portugal perdeu 1,6 mil milhões de euros com a fuga ao IVA.
Devia ser prioridade de qualquer Governo responsável dotar a sua AT de meios para combater a fraude e a evasão. Afinal, já tem quadros altamente qualificados tecnicamente para o fazer, mas que não estão equipados nem devidamente apoiados para desenvolver o seu trabalho. Não foi por acaso que a Troika quis, em 2012, reforçar a AT com 1000 inspetores tributários. Boa parte destes inspetores está agora a ser afeta a funções de atendimento telefónico e a tapar os muitos buracos causados pela constante saída de funcionários para a aposentação em funções não inspetivas, para manter a máquina fiscal a trabalhar.
Para remediar, ou enganar os distraídos, vem o Governo agora, passados 10 anos, abrir novo concurso para apenas 200 inspetores a colocar nos serviços centrais, em Lisboa.
Os Inspetores Tributários têm que ser afetos a ações de investigação e fiscalização no terreno e o investimento feito na sua preparação e formação deve ser orientado para servir o País no combate à fraude e à economia paralela. Para isso, há que os equipar e incentivá-los a cumprir a sua missão.
Aceitar uma Autoridade Tributária e Aduaneira em que se distribuem computadores já obsoletos, em que se dá instruções aos inspetores para não investigarem nada que não esteja em listagens baseadas em indicadores centrais e em que se pede que façam serviço externo nas suas próprias viaturas, sem atualizar, desde há mais de dez anos, o valor da ajuda de custo e transporte, é aceitar uma Autoridade Tributária e Aduaneira a trabalhar nos mínimos, que não combate devidamente a economia paralela e que não fiscaliza eficazmente quem não cumpre.
Em suma, castigar os mesmos de sempre a pagar a crise: aqueles que cumprem.
Ana Gamboa, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos