A presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI) confessa que a classe está esgotada com tanto trabalho e tão poucos funcionários e por isso estima que faltem mais de dois mil trabalhadores neste setor da Administração Central.

Depois das limitações no acesso à base de dados dos contribuintes, na sequência do escândalo da chamada Lista VIP, que fornecia alarmes sobre contribuintes famosos, esses alarmes foram proibidos e o acesso à base de dados requer uma série de autorizações que na opinião da presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, Ana Gamboa, limitam a atividade inspetiva.

“E isso tem gerado situações muito desagradáveis e levado também a alguns trabalhadores a fazerem tudo com muito mais calma para não correrem tantos riscos, o que poderá também afetar o próprio desempenho. Portanto, parece-nos que há aqui uma situação que tem de ser feita, tem de aceder à base de dados por um motivo, que é o motivo, regra geral, relacionado com o trabalho que está a ser desenvolvido, mas este esforço de justificar cada acesso, por vezes, gera nos trabalhadores a sensação de estarem a ser perseguidos e isto não nos parece de todo possível,” confessa.

A sindicalista adianta que estamos num ponto de ruptura extrema ao nível dos recursos humanos e isso implica um desinvestimento estratégico no combate à fraude e à evasão fiscal.

Ana Gamboa é desde 2020 Presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos. É inspetora tributária e formou-se no ISCTE. Foi no ano 2000 que entrou na autoridade tributária, onde exerceu funções em diversos serviços de finanças nos distritos de Portalegre, Setúbal e Guarda.

Em 2015, iniciou a carreira na área da inspeção tributária, em Lisboa, e em 2018 foi nomeada Chefe de Finanças Adjunta no Serviço de Finanças de Fronteira. Ana Gamboa é a convidada de hoje de A Vida do Dinheiro, seja bem-vinda.

O Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos pede uma uniformização do modelo de atendimento ao público, que está em negociação com a Direção-Geral. Em que ponto estão estas negociações?

Essas negociações já deram origem a um despacho da senhora Diretora-Geral, que estabelece que o atendimento espontâneo, digamos assim, é feito nos serviços de finanças durante a parte da manhã e a parte da tarde está reservada aos atendimentos por marcação. Portanto, isto foi uma medida que nos foi proposta e que, de certa forma, conduz a uma certa uniformização, porque aquilo que se passa neste momento, ao nível não só dos serviços de finanças, mas de todos os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, é que estamos num ponto de ruptura extrema ao nível dos recursos humanos. Portanto, não é possível fazer omeletes sem ovos e na Autoridade Tributária e Aduaneira, além do atendimento e todo o apoio que é necessário ser dado ao cumprimento das obrigações fiscais, há outras funções que os seus trabalhadores têm que desenvolver, nomeadamente a tramitação processual, porque não é só querermos ir às finanças tratar de um determinado assunto, ele depois muitas vezes tem que estar sujeito à análise e à tramitação processual, que são os próprios trabalhadores que estão muitas vezes no atendimento, numa escala de atendimento, e que depois têm todo esse serviço de back office, que tem que ser feito também. Para não falar de todas as outras funções, nomeadamente ao nível do combate à fraude e à evasão fiscal, que é desenvolvido, sobretudo, pelos inspetores tributários e aduaneiros.

Mas isso já está em vigor nos serviços de finanças do país?

Já está em vigor, sim, desde o início do mês.

E, portanto, neste momento, em todos os serviços de finanças do país, o modelo de atendimento ao público é esse?

Sim.

E o sindicato concorda com este novo modelo?

Não quisemos entrar muito na questão de o horário ser o melhor ou o pior, aquilo que nos pareceu que era muito importante era uniformizar e tentar, de alguma forma, libertar a tensão que recai sobre os trabalhadores, porque estávamos a assistir, desde que foi retomado o atendimento espontâneo, portanto, após a pandemia, porque durante a pandemia os serviços tiveram, naturalmente, encerrados, e houve um acréscimo muito grande e um desenvolvimento grande e uma afetação de recursos também dos canais alternativos, do e-Balcão, do atendimento por marcação, etc., que funcionou relativamente bem ao longo de todo aquele período. Entretanto, ao longo da pandemia, saíram muitas pessoas para a aposentação, que é algo que por vezes não se tem essa perceção, e quando houve o retorno ao atendimento presencial, os serviços estavam altamente carenciados, houve regras que, de facto, davam a possibilidade de cada chefia escolher ou decidir a melhor forma de gerir o seu serviço, e depois tínhamos situações em que as portas do serviço estavam abertas e atendiam todas as pessoas de forma espontânea, outras situações, se calhar no serviço no concelho ao lado, onde o chefe entendia, não senhor, aqui só vamos fazer atendimento por marcação, e as pessoas não conseguiam ser atendidas, se tivessem uma situação mais urgente naquele serviço e acabavam por ir a outros serviços do lado, digamos assim, e isto pareceu-nos a nós sempre que não era uma situação sustentável, portanto, alguma coisa tinha que ser feita, é óbvio que o problema que está por trás disto tudo é a própria organização dos serviços e a falta de pessoal, isto é um problema que já vimos tentando alertar desde há muito, podia e devia ter sido antecipado e não foi, e agora, no fundo, é o problema que está na base de todas estas situações de carência e dificuldade de dar a resposta que os cidadãos querem que seja dada e têm o direito a que ela seja dada, mas sem recursos, de facto, não conseguimos prestar esse serviço.

Mas profissionais como os setores dos advogados, dos solicitadores, dos contabilistas, têm-se queixado muito que os tempos de espera sobrepõem-se e não facilitam a vida laboral desses profissionais. Sentem isso, que os tempos de espera são demasiado elevados?

Sentimos, sobretudo, que não conseguimos dar a resposta que é necessária, porque não há recursos e os serviços não estão organizados, eventualmente poderia ser necessário repensar a própria organização da AT, porque estamos a funcionar com uma estrutura organizacional que é a mesma desde há décadas e hoje já temos uma série de tecnologias à disposição que poderiam ser usadas para tentar otimizar e estão em alguma medida também já a ser usadas, mas estamos aqui numa fase em que, sobretudo devido à falta de recursos humanos, não se consegue dar a resposta necessária.

Precisamente em relação aos recursos humanos, Portugal tem cerca de 3 mil inspetores tributários e aduaneiros. Quantos é que estão, de facto, no terreno a trabalhar?

Ora bem, da última vez que tivemos acesso a essa informação, estavam cerca de 900 inspetores tributários no terreno. Portanto, já na altura da Troika, foi determinado que uma das medidas que se devia reforçar era a inspeção tributária, porque entendia já como estratégico para o país o combate à economia paralela e à evasão fiscal, e que deveria reforçar em 30% dos quadros serem constituídos por inspetores tributários e aduaneiros. Isto em 2012, entretanto, abriu um concurso para recrutamento de mil inspetores, que foi um concurso interno à administração pública, é outra coisa que entendemos, para que sejam rejuvenescidos os quadros, que é essencial o rejuvenescimento dos quadros, que sejam abertos concursos externos, onde possam jovens tentar ingressar na administração pública. Isso não aconteceu, foi aberto um concurso interno. Concurso esse que cerca de metade, portanto cerca de 500 das pessoas que fizeram esse concurso, eu incluída, já fazíamos parte dos quadros da AT, portanto saímos de um lado para iniciar uma carreira no outro, e os restantes eram pessoas de outros organismos de administração pública, e com idades mais avançadas, eu tive o caso de uma colega que iniciou o estágio com 62 anos, portanto concluiu o estágio e passado um ano foi para a reforma.

E, portanto, há um desinvestimento?

Parece-nos que sim, porque efetivamente neste momento temos cerca de três mil inspetores tributários e aduaneiros nos balanços sociais, portanto, fazem parte dos quadros, foram preparados tecnicamente para poderem desempenhar essa função, mas devido a esta rotura e à falta de recursos em toda a AT, têm sido afetados a outras áreas da gestão tributária.

Portanto há cerca de dois mil inspetores que não estão no terreno?

Exatamente, sim. Neste momento, dos 30% que a Troika previa, nem 10% estão afetos à inspeção tributária e aduaneira. Porque estão a prestar funções noutras áreas, na área da justiça tributária e em alguns casos até no atendimento. E pronto, tem sido assim um tapar de buracos para tentar que a casa não vá abaixo.

Isto significa um desinvestimento estratégico no combate à fraude e à evasão fiscal?

Parece-nos que sim, portanto, tem havido uma aposta muito grande no apoio ao cumprimento voluntário. Portanto todo este desenvolvimento dos canais alternativos, do centro de atendimento telefónico, do e-balcão, etc., tem sido feito como uma aposta para desenvolver esta área, que nos parece que faz sentido. É bom que se ajude as pessoas a cumprir as suas obrigações, porque temos níveis de iliteracia fiscal muito elevados no país, como sabemos. Portanto este apoio é necessário, mas não nos podemos esquecer que existe uma franja, uma fatia grande da economia que não está registada e que segundo estudos recentes são milhões e milhões de euros, são cerca de 35% do PIB, que se estima de euros que circulam na economia paralela e que não são tributados. Portanto é dinheiro que não entra nos cofres do Estado, e que eventualmente com uma maior aposta também nesta área da inspeção tributária, porque até a Autoridade Tributária tem os profissionais mais preparados para poderem fazer este trabalho, pela investigação e todo o trabalho para poder desmantelar e detetar este tipo de situações, e está a ser feito com poucos recursos neste momento.

Outro sítio onde faltam funcionários da Autoridade Tributária é nos aeroportos. Em sua opinião está em causa a verificação das bagagens dos viajantes e a aplicação dos impostos em mercadorias?

Sim. Sempre que há funcionários em falta, digamos assim, em áreas relacionadas com a prevenção e o combate, quer ao tráfico ilícito, no caso dos aeroportos, é óbvio que esse mesmo combate fica posto também em causa, porque as equipas estão altamente desfalcadas. Os colegas que trabalham na área aduaneira, no controle da fronteira externa da União Europeia, trabalham também eles com uma grande sobrecarga, são trabalhadores que trabalham 24 horas por dia, portanto, a fronteira nunca fecha, sete dias por semana, e as equipas estão altamente desfalcadas também, é natural que não consigam fazer, se calhar, todas as verificações que seriam necessárias para garantir que efetivamente as mercadorias que entram no país e tudo mais, que estejam nos conformes.

Estamos a falar também das mercadorias que vêm ou que são compradas nos sites online internacionais?

Também pode haver esse escândalo. No caso específico dos aeroportos, estamos a falar sobretudo das mercadorias trazidas pelos passageiros, do dinheiro, que também está sujeito a declaração, e que por vezes as equipas estão de tal forma desfalcadas que têm de deixar as pessoas circular, porque não conseguem, ainda que possa haver algum tipo de indício, dar resposta às verificações todas que são necessárias. Isso tem sido um reporte que os nossos sócios da área aduaneira nos têm feito muitas vezes também.

Tem ideia de quantos trabalhadores da autoridade tributária estão em teletrabalho?

Penso que não temos no nosso balanço social dados concretos sobre isso. Efetivamente, isto foi um fator generalizado em todo o país e em todo o mundo. Durante a pandemia houve muitos trabalhadores, creio que 70%, a prestar as suas funções a partir de casa, portanto, em trabalho remoto. Neste momento, em algumas funções, temos o reporte que estão a ser encontradas soluções que podem passar por, pelo menos em alguns dias da semana, as pessoas trabalharem a partir de casa, mas claro, temos funções como o atendimento presencial, a parte do controle da fronteira externa, que não são, obviamente, possíveis prestar remotamente. E houve um regresso de vários trabalhadores aos serviços presenciais, portanto, a prestarem o trabalho de forma presencial.

Mas foram definidas regras neste campo do teletrabalho? Há regras comuns ou também depende muito de cada direção?

Foi feito um regulamento que não é muito diferente daquilo que está estabelecido em geral no Código do Trabalho. Portanto, há situações que, por lei, estão previstas no caso de o trabalhador precisar de prestar o trabalho e as funções o permitirem, pode requerer e tem direito a elas, no caso dos menores e da assistência à família, em alguns casos, e há outras situações que dependem, tem de haver ali um acordo e pode, inclusivamente, no nosso caso, ser proposto pelas várias áreas funcionais, que haja ali um regime de teletrabalho, que também pode ser misto e daquilo que é a nossa perceção. Porque, como lhe digo, não temos números. Em alguns sítios, direções de finanças, serviços centrais, que não têm essa componente de atendimento ao público, está a ser feito o recurso ao teletrabalho. Isto parece positivo, porque é algo que pode dar aqui margem para as organizações também poderem pensar numa reorganização do funcionamento dos serviços.

No entanto, os funcionários públicos, como é sabido, não podem receber compensação por despesas com o trabalho remoto. O Governo deve legislar para mudar esta situação? Qual é a vossa posição?

Está previsto que possa haver um valor, mas até ao momento, as situações de teletrabalho que existem ou que temos conhecimento, creio que essa medida de pagamento de compensação pelo teletrabalho não está ainda a ser aplicada.

E considera que devia ser? Esta questão devia ser abordada e os funcionários que estão em teletrabalho deviam ser compensados, tal como no setor privado?

Sim, sim. Em teletrabalho o funcionário acaba por ter despesas, muitas vezes utiliza até os seus próprios equipamentos e se for uma situação, nomeadamente proposta pela entidade patronal, deve naturalmente ter direito a essa compensação. Parece-nos que é de justiça que esses gastos sejam compensados.

Todas as questões abordadas até agora resultam da falta de pessoal. Tem frisado muito, essa questão da falta de pessoal. A política de contratação satisfaz as saídas para a reforma?

De todo, não. Nos últimos anos têm saído centenas, e em alguns meses várias centenas de trabalhadores para aposentação, porque é a geração dos anos 80 em que foram milhares de trabalhadores recrutados nessa altura e que estão agora a chegar à idade da reforma. Há muito tempo que não são abertos concursos externos para poderem reforçar e rejuvenescer os quadros. Temos vindo a alertar para isto, porque vemos as equipas a ficarem desfalcadas, os serviços a funcionarem em risco até de poderem fechar e toda a sobrecarga que é gerada àqueles que permanecem no ativo, porque aumenta o trabalho per capita e temos uma média de idades muito avançada. Na função pública a média de idades já ronda os 48 anos, na AT anda por volta dos 56. E isto traz uma série de outros fatores que não são benéficos para o trabalhador e há ali uma resistência menor à pressão e à sobrecarga que esta situação gera.

Quando foi o último concurso?

O último concurso que abriu externo foi anunciado, ou foi aberto, no início de 2022, não me recordo se foi em janeiro ou em fevereiro, em 2022. Em 2023, agora no início de setembro, 180 pessoas, atenção, para os milhares que saem, são insuficientes. Em setembro deste ano começaram o período experimental, portanto, o problema é não só entendemos que a perspetiva de se virem a fazer recrutamentos plurianuais, porque isso já nos foi anunciado como uma intenção que o governo tem de não ficar tantos anos sem recrutar e fazer recrutamentos mais pequenos, mas mais regulares, todos os anos. A questão é que esteve-se muito tempo sem avançar para este tipo de recrutamentos e este último que foi anunciado, foram 180 pessoas para os serviços centrais em Lisboa, portanto, nem sequer este recrutamento vai resolver o problema dos serviços locais, por exemplo, onde se sente ali um desfalque muito grande, e mesmo nos aeroportos e outros serviços. Além disso, demorou imenso tempo todo o processo de recrutamento. Isto preocupa-nos, porque se efetivamente querem avançar com o plano de recrutamento plurianual, é bom que ele seja célere.

Estão mais concursos planeados?

Foi-nos dito que existe essa intenção, não está ainda divulgado ou anunciado formalmente pelo governo e aguardamos por esse anúncio, porque até lá são perspetivas, são intenções que nos podem parecer positivas, já vêm tarde, mas ainda assim mais vale tarde do que nunca. Mas como até o momento ainda não tivemos, formalmente, notícia de que o concurso tenha aberto ou vá abrir, era esperado que este ano ainda abrisse um primeiro recrutamento, pelo menos foi aquilo que nos disseram que pretendiam, inclusivamente também recorrer à reserva de recrutamento destes 180, porque houve pessoas que ficaram seriadas na listagem, além dos 180 que foram recrutados, e é possível, nos termos da lei, recorrer a essa reserva de recrutamento, porque poupava muito tempo, é algo que nos dizem que também têm intenção de fazer, mas até ao momento ainda não vimos.

De quantas pessoas precisa a autoridade tributária neste momento? Tem alguma estimativa?

Não tenho uma estimativa exata, mas mantendo a estrutura de funcionamento da AT, que existe atualmente com todos os serviços de finanças do país, os aeroportos, etc., se calhar duas mil pessoas, para continuarmos a funcionar como estamos a funcionar, não eram suficientes, mas admitimos que eventualmente não possam ser recrutadas estas duas mil no imediato. Esse plano que nos foi apresentado, essa intenção de prever e recrutar 200, 300 por ano nos próximos quatro ou cinco anos, talvez possa criar aqui algum equilíbrio. O nosso receio é que os tempos de recrutamento sejam igualmente elevados.

E não houve dificuldades de recrutamento neste concurso deste ano?

Como só eram necessários 180, foram mais de 180 seguramente. Tivemos o feedback de que houve várias pessoas que desistiram, isto pode ter tido vários fatores, não explorámos essa situação, mas como o próprio período de recrutamento foi tão longo, porque as pessoas têm que prestar provas de cultura geral, têm que fazer entrevista, têm que fazer provas em inglês, todo o processo é muito complexo para aceder, admitimos que algumas das pessoas, entretanto, foram desistindo porque encontraram outras soluções, outros caminhos, ou perceberam efetivamente a realidade que se vive em termos laborais na AT e desistiram de avançar.

Mas precisamente sobre o período de abertura do concurso, recrutamento, formação, quanto tempo é que leva a formar uma pessoa para a autoridade tributária?

Leva muito tempo. O recrutamento é o processo só de início da pessoa, fazer o concurso, dizer que quer ir para a AT e, entretanto, ser selecionada para começar o período experimental. Este dos 180, como lhe disse, demorou, não chegou a dois anos, mas foi mais de um ano e meio até as pessoas iniciarem de facto o período experimental. O período experimental que consiste em formação teórica, prestação de provas e também formação prática e que tem de durar no mínimo um ano.

Esse período experimental já é remunerado?

Já é remunerado, sim. Mau seria, mas pronto, é remunerado. E no mínimo tem a duração de um ano, mas um inspetor tributário não se forma com o período experimental. Pode levar dois, três anos a desenvolver as capacidades para poder desempenhar a função em pleno.

E qual é o ponto de situação relativamente à regulamentação das carreiras? Houve avanços?

A regulamentação das carreiras esteve três anos parada. O sindicato desenvolveu algumas ações de protesto em 2021, sem avanços significativos no que toca a tudo o que tem a ver com a nossa progressão na carreira. Enfim, praticamente todos os regulamentos ficaram por fazer desde que o diploma entrou em vigor. Em março e abril desenvolvemos várias iniciativas e ações de protesto para chamar a atenção também para esta questão e para o estado em que se trabalha neste momento na AT. E o atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tomou a iniciativa de realizar reuniões de trabalho conjuntas. Durante o mês de junho, realizaram-se uma série de reuniões para debater e criar ali as linhas bases daqueles que são considerados dossiês prioritários. Chegou-se a algum consenso, não estamos ainda na fase negocial, apenas preparatória, e ficaram de nos apresentar propostas para a regulamentação dos vários diplomas. Até ao momento ainda não chegaram. Portanto, estamos a aguardar.

E aí dentro também está a avaliação em desempenho?

Aí dentro está um sistema de avaliação permanente que está previsto aos trabalhadores da AT, porque os trabalhadores da AT para desempenhar a sua função têm de fazer um esforço de atualização contínua porque, como sabemos, a legislação fiscal é dos sistemas legislativos mais instáveis e dinâmicos. Todos os anos há um Orçamento do Estado e as pessoas têm de se atualizar. E efetivamente, neste regime de carreiras que foi revisto, mantém-se esse sistema em que as pessoas podem, com base nesse esforço de atualização, na formação, acelerar a sua progressão na carreira, mas não está ainda regulamentado.

E qual tem sido o impacto desse atraso na regulamentação? Isso contribui para o desânimo da AT?

Sim, neste momento o desânimo é imenso. Isto não é só de agora, já vem de trás. A política de gestão de recursos humanos não tem em conta, até nas opções gestionárias que são tomadas, a motivação dos trabalhadores. Não há também ainda os serviços de medicina no trabalho, que poderiam eventualmente fazer algum levantamento deste tipo de situações.

Estamos perante muitos esgotamentos?

Muitos. Infelizmente, temos muitas situações de burnout e de doenças cardiovasculares. Esgotamento mesmo com a pressão que as pessoas sentem no seu dia-a-dia. E depois não verem perspetiva de progredirem na carreira ou de verem o seu esforço e a sua dedicação diária recompensada, também não ajuda em absolutamente nada. E efetivamente, isso é também na nossa perspetiva um problema. Não sei, eventualmente é transversal, poderá ser transversal a toda a administração pública, mas sentimos isso todos os dias. Tudo o que são procedimentos que podem ajudar a progredir na carreira, estamos a falar de procedimentos onde as pessoas têm de se preparar, estudar e fazer provas de conhecimentos, etc. Temos situações de concursos que são anulados porque se chega à conclusão de que afinal eram inúteis, não faziam sentido nos termos do enquadramento legal em vigor, só que, entretanto, as pessoas fizeram provas. Há todo um conjunto de situações complicadas internas que geram uma desmotivação muito grande.

Tem números sobre trabalhadores que estão de baixa?

Não tenho.

O sindicato tem defendido uma reorganização da máquina fiscal. O sindicato considera estar a ser mal gerida essa máquina fiscal e não estar dimensionada para os recursos humanos de que dispõe atualmente, ou seja, não há recursos humanos. Na opinião do sindicato, quais devem ser os pilares dessa reorganização?

Não cabe ao sindicato estabelecer esses pilares. Aquilo que nos parece é que como está, não está a funcionar de forma eficiente nem para os utentes do nosso serviço, nem para os trabalhadores. E temos esta questão da rotura dos quadros em cima da mesa. E por outro lado, não obstante esteja a ser feito algum esforço de modernização e de aproveitamento das tecnologias, da digitalização, parece-nos que com as ferramentas como o teletrabalho e a evolução tecnológica, eventualmente há aqui condições para que alguma equipa de trabalho dirigente promova e repense a forma de funcionamento da AT, de maneira que seja mais eficiente no serviço que presta e tendo sempre em conta as condições com que os seus trabalhadores exercem a sua função.

E em sua opinião, a tendência será para o encerramento de serviços, tal como aconteceu na banca, por exemplo, com o encerramento de balcões? Como é que vê a autoridade tributária no futuro?

O serviço de proximidade, não há dúvida que é necessário e poderá vir a ser sempre necessário. Aquilo que temos que pensar é se faz sentido ter os serviços de finanças, por exemplo, falando dos serviços locais, com a organização que existe atualmente, porque temos não só essa parte do atendimento, como temos, como disse no início da entrevista, uma série de tarefas, nomeadamente relacionadas com a tramitação processual, que são altamente complexas e que é preciso também tratar, digamos assim, que eventualmente pode-se questionar e, em alguns casos, não de forma organizada, mas a nível experimental já se começa a tentar ver se pode agrupar, por exemplo, a cobrança coerciva numa determinada região onde tem mais funcionários. Vamos percebendo que estão a ser feitas aqui algumas tentativas de poder tornar o sistema mais eficiente, com menos recursos humanos, mas também sem os sobrecarregar demasiado. E parece-nos que cabe sobretudo à tutela e à direção-geral, criar uma equipa de trabalho, ou o que quer que seja, e pensar nestas questões e apresentar de forma clara também esse projeto. Naturalmente poderá envolver os trabalhadores e deverá envolver os trabalhadores nisso, para que também se dê uma perspetiva clara daquilo que nos espera. A perceção que temos é que, como está, se continuar, já estamos à beira do abismo. Portanto, isto gera uma grande desmotivação, perspetivar o futuro a cinco ou dez anos, porque apesar de muitos estarem próximos da aposentação, temos muitas pessoas que têm ainda 15 anos de carreira pela frente, ou 20, e nesta fase não conseguimos perspetivar o que é o futuro, porque ninguém nos fala disso. Só vemos uma organização pesada, com a mesma estrutura de há dez ou 20 anos atrás, sem pessoas e cada vez mais desorganizada e em modo de sobrevivência, digamos assim.

Depois da polémica com a chamada lista VIP, o que é que gostariam de ver mudado nas regras de acesso às bases de dados dos funcionários tributários?

Ora bem, aquilo que relativamente ao acesso nos parece que é muito importante que todas as pessoas percebam, é que o acesso às bases de dados faz parte do trabalho e da função de qualquer funcionário da rotina. De todos. Os trabalhadores estejam na área do atendimento, estejam na área da investigação, da inspeção tributária, em que área for, não se trabalha na AT sem aceder às bases de dados da AT. O que nos parece é que após essa polémica foram instituídas uma série de regras, nomeadamente de justificação dos acessos, em que cada funcionário para aceder à sua área de trabalho tem de se registar e o rasto de tudo aquilo que ele consultou fica no sistema. E o que nos parece é que isso deveria ser suficiente para criar e justificar aquilo que cada um faz. Mas não é suficiente e foi criada uma aplicação, que tem sofrido algumas alterações, em que cada funcionário tem de justificar cada acesso, cada número que consulta, em cada aplicação tem de justificar.

Isso complica o trabalho dos funcionários?

Naturalmente complica o trabalho. Deveria ser encontrada uma solução, porque já estão a trabalhar em sobrecarga e com mais esta tarefa que tem de estar a ser feita constantemente, não ajuda. E tem havido situações em que o trabalhador pode se ter esquecido de justificar um acesso e é logo sujeito a um inquérito para justificar por que motivo acedeu há dois anos atrás à aplicação do património àquela hora. E isso tem gerado situações muito desagradáveis e levado também a alguns trabalhadores a fazerem tudo com muito mais calma para não correrem tantos riscos, o que poderá também afetar o próprio desempenho. Portanto, parece-nos que há aqui uma situação que tem de ser feita, tem de aceder à base de dados por um motivo, que é o motivo, regra geral, relacionado com o trabalho que está a ser desenvolvido, mas este esforço de justificar cada acesso, por vezes, gera nos trabalhadores a sensação de estarem a ser perseguidos e isto não nos parece de todo possível.

E há abertura da tutela para mudar alguma coisa nesse campo?

Há cerca de um ano, mais ou menos, chegámos a ter várias reuniões com a Direcção-Geral e com a área da disciplina, no sentido de sensibilizar para isto, até porque os colegas que estão nessa área da disciplina têm uma atitude, não todos, naturalmente, mas tivemos alguns reportes de situação dos trabalhadores estarem a ser alvo desses inquéritos e estarem a ter a sensação que estavam ali a ser investigados, como se tivessem cometido algum tipo de crime. E, efetivamente, a grande maioria, já não me recordo da taxa, mas era muito superior a 80% ou 90% destes inquéritos, são arquivados porque se confirma que a pessoa estava a trabalhar, portanto, esqueceu-se de fazer aquela justificação daquele acesso. Só que, entretanto, gerou ali toda uma carga de stress, eventualmente desnecessária se houvesse outra forma de controlar e de fazer estes registos e apenas quando há, de facto, indícios de ter havido ali um abuso. Mas daquilo que é a experiência e os dados que existem, as taxas de acesso indevido são muito inferiores, andam ali à volta de 1%, nem isso, portanto, são muito baixas, são situações pontuais que podem ocorrer e que, regra geral, até depois são devidamente penalizadas.

No último relatório sobre a fraude e evasão fiscal, entre 2018 e 2022, o universo dos chamados devedores estratégicos, com uma dívida superior a meio milhão de euros, avançou 24%. O que é que se pode fazer com estes grandes devedores que o Estado tem?

Bom, isso importaria perceber o porquê do aumento da dívida, porque há aqui vários fatores, tudo o que tem a ver com a litigiosidade com a AT pode dever-se a fatores relacionados com a iliteracia fiscal, mas quando falamos assim a um nível mais elevado, por vezes pode não ter a ver com a literacia, mas pelo conhecimento e até, muitas vezes, o não cumprimento deliberado das normas, aí já estamos a falar a um nível em que é necessário intervir através do combate à fraude, à evasão fiscal e à economia paralela. No caso das dívidas, poderemos estar aqui a falar também de situações relacionadas com a própria economia, que tem sofrido.

O que é que gostaria de ver na proposta do Orçamento do Estado para 2024 que o governo apresenta no próximo mês?

Ora bem, o STI tem nos últimos anos apresentado algumas propostas, não de âmbito estritamente setorial, mas até mais abrangentes, para toda a função pública, que até ao momento ainda não vimos satisfeitas, apesar dos esforços para as defendermos e para as justificarmos. Se eventualmente este ano algumas delas não vierem contempladas, voltaremos a fazer insistência nas mesmas. Uma delas tem a ver com a atualização dos valores das ajudas de custo e transporte, porque em 2010 foram feitos cortes nos valores estipulados. Isto porque estamos a falar para toda a função pública, mas naturalmente, quem faz serviço externo, nomeadamente quem está a trabalhar na área do combate à fraude e à evasão fiscal no terreno, viu os valores que são pagos no âmbito das ajudas de custo e transporte com um corte desde 2010, que nunca mais foi reposto e, na nossa perspetiva, neste momento não chega repor estes cortes, têm que se atualizar, porque, entretanto, houve todo um aumento dos custos com o combustível, com a restauração e com o alojamento e parece-nos que não faz sentido manter-se os valores que são abonados para quem anda no terreno e utiliza a sua viatura ao serviço do Estado. Continuam a não ser pagos valores que tenham aqui alguma atualização de acordo com a realidade atual. Por outro lado, há outra proposta que fazemos e que tem a ver com a reposição dos dias de férias, porque em 2014 foram retirados três dias de férias a todos os trabalhadores da função pública também, e essa é uma proposta em que vamos insistir, até porque com a média de idades que existe, isto foi uma medida que foi atribuída no passado a todos os trabalhadores, três dias de férias extra numa altura em que não foi possível atualizar os vencimentos, mas entretanto, em 2014, voltou-se atrás, passou-se dos 25 para os 22 dias. Entendemos que faz todo o sentido voltar a repor estes três dias. Estes são dois exemplos de propostas que temos feito e que se não vierem contempladas, iremos fazer novamente.