Sábado | “As pessoas fugiram.” Funcionários das Finanças relatam agressões em serviço

Fernanda Mendes, assistente técnica da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), ia buscar uma contribuinte à porta das instalações quando foi agredida no local de trabalho. “Quando ia buscar um contribuinte à porta, houve uma mulher que me perguntou se poderia explicar o que uma carta queria dizer. Quando me apresentou a carta em questão da AT, tinha o nome de um homem e por isso perguntei se a senhora era familiar ou se estava mandatada para saber informações fiscais sobre aquela pessoa. A senhora disse que não, e então aconselhei que a terceira pessoa fizesse uma marcação. Ao fechar a porta ela meteu o pé à frente, e dentro do serviço começou a proferir expressões como ‘minha puta’, ou ‘vaca de um cabrão’, e começou a pontapear-me”, relata a funcionária de 62 anos à SÁBADO.

O caso de Fernanda Mendes é um entre vários. Um inquérito realizado pelo Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI) a 1.384 associados revela que 60% já sofreu agressões físicas ou verbais, durante o exercício das suas funções. Segundo Gonçalo Rodrigues, presidente do STI, a maioria das agressões decorreu em cidades como Lisboa, Porto e Setúbal.

Depois do ocorrido a 11 de janeiro de 2022, Fernanda Mendes telefonou para a PSP, que rapidamente chegou ao local e recolheu o depoimento. “Na altura estava sozinha e a minha primeira reação foi fugir. Como sabia que tinha o meu telemóvel em cima de uma das secretárias, liguei imediatamente para a PSP e expliquei que tinha uma contribuinte a tentar agredir-me. A polícia lá entrou no serviço, e mesmo assim, a senhora continuou sempre a injuriar-me em frente aos agentes. A PSP pediu depois para ela ter tento na língua e disse que não podia insultar os funcionários. De seguida, os guardas recolheram o meu depoimento e perguntaram se queria apresentar queixa.”

A funcionária decidiu apresentar queixa, mas à SÁBADO confessou que o processo acabou por dar em nada uma vez que para avançar, seria necessário pagar quase 300 euros. “Fui chamada através de uma carta do tribunal, mas disseram-me que se quisesse prosseguir com a queixa-crime contra a senhora, que era acusada de injúrias, tinha que gastar quase 300 euros, por isso morreu na praia”, lamenta.

Recebeu, no entanto, apoio psicológico por parte dos serviços centrais durante cinco ou seis meses via WhatsApp. “Passado um ou dois dias” da agressão, vieram as insónias. Agora que mudou de local de emprego, assegura que este momento a afetou no dia-a-dia: “Quando ia trabalhar as ruas estavam despidas de pessoas e as sombras assustavam-me.”

“Ele era bruto”

Outra funcionária da AT, Maria (nome fictício), assistiu também em 2022 a outro tipo de agressões. Um homem quebrou dois Computadores dos serviços das Finanças onde trabalhava por ter a conta bancária penhorada, o que ocorre quando há incumprimento de dívidas. Um dos computadores partidos embateu no braço da funcionária e o estrondo foi tal que as “pessoas fugiram”.

“O contribuinte dirigiu-se ao balcão descontente com o que lhe tinha acontecido. Tratava-se de uma penhora de um saldo bancário. E ele chega muito agressivamente, em termos de discurso, a dizer que queria o dinheiro e que não saía dali sem o dinheiro. Quem estava no atendimento esclareceu a situação mas o homem não deu hipótese, e foi quando aquilo começou a ficar feio que me dirigi até ele e expliquei que não podia ser como ele queria”, contou à SÁBADO. “O senhor ficou de tal forma desorientado que deu um murro no acrílico, que era utilizado nos balcões por causa do Covid, e dois computadores caíram.”
Ainda assim, Maria decidiu não apresentar queixa. “Foi claro que ele não me quis agredir. Fiquei com o braço negro, sim, fiquei. Ele era bruto.”

Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), Gonçalo Rodrigues, é o facto destes trabalhadores serem agredidos “diariamente” que justifica o seu apelo a que estes funcionários sejam incluídos na nova proposta de lei que será apresentada pelo Governo no Parlamento e que prevê o aumento das penas contra os agressores de funcionários públicos. Só foram abrangidos as forças de segurança, pessoal docente e não docente, guardas prisionais e profissionais de saúde.

“As carreiras da AT já historicamente eram mal vistas. Já na Bíblia os cobradores de impostos eram mal vistos. Por isso, para nós é inconcebível que não se reforce as penas contra os seus agressores”, frisa