Opinião – A pizza de 240 milhões!!!

 

Quatro dias depois de ter oferecido 10.000 Bitcoins por duas pizas familiares, no dia 22 de maio de 2010, Laszlo Hanyecz anuncia[1]:

«I just want to report that I successfully traded 10.000 bitcoins for pizza. Thanks jercos!»

Esta transação assume especial relevância, uma vez que se encontra assinalada como tendo sido a primeira transação da Bitcoin por um bem físico, sendo o seu sucesso comemorado anualmente, pelos entusiastas da criptomoeda, com o “Bitcoin Pizza Day”, e fazendo que, no seu início, o valor da Bitcoin fosse realizado por comparação com o valor de uma piza.

Para melhor compreender o inusitado da situação, importa recordar que, à data, a criptomoeda Bitcoin (a primeira das criptomoedas) não era aceite como forma de pagamento fora da internet, ou seja, as pessoas não tinham o que fazer com as moedas mineradas, e assim, o jovem minerador Hanyecz, quis trocar o resultado do seu hobby por um jantar (algo físico), o que para ele era visto como um “jantar grátis”, já que o único investimento feito era mesmo o seu tempo na internet.

Nos primeiros três dias, observa-se a existência de dois utilizadores[2] que se predispõem a tal, mas, visto não se encontrarem nos Estados Unidos (USA), não conseguem proceder ao pagamento das pizzas – coisas da globalização! – facto que leva Hanyecz a duvidar se estaria a oferecer pouco pelas pizzas.

É quando Jercos[3] se predispõe a tal, encomendando as pizas numa pizaria local[4], por 25 dólares (USD), recebendo em troca 10.000 Bitcoin (BTC) que valeriam, à data, cerca de 41 dólares americanos (USD), saliente-se que, dois meses depois, já valeriam 600 USD.

Numa altura em a Bitcoin volta a bater máximos históricos, quintuplicando o seu valor só nos últimos seis meses (set/20: € 9.189,90; mar/21: € 49.691,00), observamos que esta transação, aos valores de hoje, faria com que cada uma piza daquelas valesse qualquer coisa como 240 milhões de euros (EUR).

Figura 1 Cotação BTC USD: período 2010/08/16 a 2021/03/12
Fonte: Buy Bitcoin Worldwide, recolhido em 2021/03/13

 

Assim, importa conhecer um pouco deste ativo digital e compreender a sua valorização, para não se deixar enganar.

«Qual é o valor de um bitcoin? Uma barra de ouro, uma casa ou um quadro de Picasso? É exatamente igual àquilo que nós, os homens, na nossa inconstância e vaidade lhe queiramos dar. Nem mais, nem menos.» (Pinto dos Santos, 2019[5])

Com o fim do Sistema de Bretton Woods (padrão ouro), a moeda deixou de poder ser considerada como um bem, para passar a ser vista como um direito, uma vez que o seu real valor (valor efetivo do papel ou do metal) é bastante diferente do seu valor facial (valor intrínseco) – moeda fiduciária –, mas independentemente desta discussão (se a moeda é um bem ou um direito), a verdade é que a moeda possui valor, o qual é definido / mantido pelos Bancos Centrais, graças às suas intervenções no mercado cambial, conferindo ao cidadão uma segurança na estabilidade do seu valor.

Ora esta regulação / intervenção no mercado não ocorre nas criptomoedas, pelos Bancos Centrais ou qualquer outra entidade que assegure a estabilidade no seu valor, facto que permite uma grande volatilidade no seu valor, sujeita apenas à vontade dos compradores e dos vendedores: a Lei da Oferta e da Procura no seu maior expoente, tal como se observa no mercado acionista[6].

Ponderando, ainda, na Lei da Oferta e da Procura, importa não esquecer que a Bitcoin foi idealizada por Satoshi Nakamoto[7] com um limite máximo de 21 milhões de unidades, sendo que atualmente já se encontraram mineradas cerca de 18,5 milhões de Bitcoins, facto que faz com que esta possa começar a escassear no mercado (aumentando o seu valor intrínseco), mas mais importante, dificultando, e tornando cada vez mais onerosa, a sua mineração.

Adicionalmente, a falta de uma entidade centralizadora que regule / intervenha no valor das criptomoeda, faz com que o seu valor difira em cada “casa de câmbio” – exchange agency – , geralmente esta diferença é pequena, mas importa não olvidar a possibilidade de situações como a ocorrida, em junho/2019, quando a exchange Kraken vendeu 1.360 BTC pelo valor 75 USD (cerca de 1% do seu valor de mercado), presumivelmente devido a um ataque hacker às contas sedeadas naquela exchange (“casa de câmbio”) gerando ordens de venda alheias à vontade dos seus detentores.

Sim, a segurança da moeda é reconhecida, no entanto o mesmo não se poderá dizer sobre detenção da moeda, sendo que alguns erros / roubos nas “exchange agencies” têm vindo a público, sendo o mais assinalável o desaparecimento 19.000 BTC, na principal exchange europeia – Bitstamp –, em 2015.

A propósito da valorização das criptomoeda importa atentar nos esforços realizados, pelo Banco de Portugal, desde 2013, alertando os cidadãos para os perigos deste ativo, podendo ser lido no mais recente comunicado, de 2021/02/24[8], que:

  • Os ativos virtuais não têm curso legal em Portugal, pelo que a sua aceitação pelo valor nominal não é obrigatória;
  • Os ativos virtuais não são garantidos pelo Banco de Portugal ou por qualquer autoridade nacional ou europeia;
  • Não existe, atualmente, qualquer proteção legal que garanta direitos de reembolso ao consumidor que utilize ativos virtuais para fazer pagamentos, ao contrário do que acontece com instrumentos de pagamento regulados;
  • A informação sobre ativos virtuais disponibilizada aos consumidores pode ser inexata, incompleta ou pouco clara, e a formação do preço destes ativos é, frequentemente, pouco transparente;
  • A maior parte dos ativos virtuais está sujeita a uma enorme volatilidade. Em caso de desvalorização parcial ou total dos ativos virtuais, não existe um fundo que cubra eventuais perdas dos seus utilizadores, os quais terão de suportar todo o risco associado às operações com estes instrumentos. Como tal, o utilizador de ativos virtuais pode perder grande parte ou a totalidade do capital investido;
  • As transações com ativos virtuais podem ser utilizadas indevidamente, em atividades criminosas, incluindo de branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo;
  • Grande parte das entidades que comercializam ativos virtuais não se encontram sediadas em Portugal, pelo que qualquer resolução de conflitos poderá enquadrar-se fora da competência das autoridades nacionais.

 

Por último, os objetivos na utilização das criptomoeda podem diferir de pessoa para pessoa, e só nos dois intervenientes na primeira transação – Hanyecz e Jercos – existem diferenças: enquanto Hanyecz apenas considera que a Bitcoin deve ser utilizada como um bem transacionável, devendo retirar-se o maior partido da sua utilização; Jercos pondera na possibilidade da mesma ser uma reserva de valor, podendo ser guardada como um investimento com futuro.

 

[1] https://bitcointalk.org/index.php?topic=137.0
[2] Users: Xunie e BitcoinFX
[3] Jeremy Sturdivant aka “Jercos”
[4] Segundo relatos do próprio na Dominos, mas as fotografias postadas por Hanyecz são da Papa John.
[5] Pinto dos Santos, José Miguel. 2019. Um bitcoin por uma incrível taça de chá. Observador. 2019/04/14. https://observador.pt/opiniao/um-bitcoin-por-uma-incrivel-taca-de-cha/
[6] Importa não esquecer uma grande diferença entre o mercado acionista e as criptomoeda que reside no facto do mercado acionista assentar em ativos – empresas – suscetíveis de confirmação / verificação, enquanto que as criptomoeda apenas assentam na confiança na blockchain subjacente.
[7] A verdadeira identidade do criador da Bitcoin continua envolta em mistério, não se sabendo se Satoshi Nakamoto se trata de um pseudónimo de uma pessoa ou grupo de investigadores, apenas se lhe podendo atribuir a criação do protocolo original da blockchain subjacente à Bitcoin, e o seu desaparecimento em 2011.
[8] https://www.bportugal.pt/comunicado/banco-de-portugal-reitera-alertas-aos-consumidores-sobre-riscos-associados-aos-ativos

 

 

Nuno de Oliveira Fernandes
Sócio nº 11858
Inspector Tributário